sexta-feira, setembro 23, 2011

A CULPA É DO SÓCRATES e do Teixeira dos Santos

Linda brincadeira

por FERNANDA CÂNCIO

A 30 de Novembro de 2006, foi aprovada no Parlamento uma nova Lei das Finanças Regionais. Estabelecia-se, "tendo em vista assegurar o princípio da estabilidade orçamental", limites ao endividamento de Açores e Madeira, que passavam a ser determinados em sede de Orçamento do Estado em termos "compatíveis com os conceitos utilizados em contabilidade nacional" e "tendo em consideração as propostas apresentadas pelos Governos Regionais". Determinavam-se ainda sanções por violações aos limites do endividamento, implicando estas uma redução nas transferências do Estado para a região, não podendo doravante, "sem prejuízo das situações legalmente previstas", os empréstimos a emitir pelas Regiões beneficiar da "garantia pessoal do Estado". Toda a oposição ao PS, à excepção do CDS-PP (que se absteve), votou contra. O presidente do Governo Regional da Madeira insistiu junto de Cavaco, então no seu primeiro ano de mandato como Presidente, para que vetasse o diploma, invocando a sua inconstitucionalidade (o Tribunal Constitucional, que o fiscalizou a pedido dos deputados do PSD, não concordou). A lei foi promulgada e entrou em vigor em Fevereiro de 2007; Jardim demitiu-se para voltar a candidatar-se a eleições e ganhar nova maioria absoluta.
Três anos depois, a 5 de Fevereiro de 2010, PSD, CDS, BE e PCP aprovaram, com os votos contra do PS (em maioria relativa após as legislativas de Setembro de 2009), uma proposta de alteração à lei, na qual o limite do endividamento deixava de ser fixado pelo Governo central. As sanções por violação passaram a prever que as verbas retidas pelo Estado fossem afectas "de imediato" à amortização da dívida da Região (ou seja, na prática, a República é obrigada a afectar o valor à Região, independentemente de esta ter ou não prevaricado), e a "garantia pessoal do Estado", ou seja, o respectivo aval, passou a estar disponível para empréstimos a emitir pelos governos autónomos.
Em reacção, o então ministro das Finanças, Teixeira do Santos, afirmou ir usar "todos os instrumentais legais ao [seu] alcance para cumprir o disposto no Orçamento do Estado", no que foi entendido como uma ameaça para bloquear a transferência de verbas para a Madeira. Quinze dias depois, porém, a ilha era palco de uma brutal enxurrada que causou 42 mortes e arrasou parte do Funchal, impondo tréguas entre os dois executivos. Numa lei aprovada a 29 de Abril de 2010, o Governo nacional comprometia-se a ajudar à reconstrução, transferindo, até 2013, 740 milhões de euros para a Madeira. (Até Dezembro de 2010, a ilha já recebera 191,3 milhões; de acordo com o Tribunal de Contas só 29,5% foram usados para projectos de reconstrução, desconhecendo-se o destino dos restantes 134,9 milhões.)
Vai haver, disse o primeiro-ministro, "alterações do ponto de vista legislativo para que estas situações não possam voltar a ocorrer no futuro". Que bela ideia.

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