sábado, outubro 29, 2011

POBREZA

Pedro Silva Pereira

Pobreza estratégica

28/10/11 00:01 | Pedro Silva Pereira



Não me lembro de ter ouvido o dr. Passos Coelho anunciar aos eleitores, antes das eleições, aquilo que esta semana soube explicar com tanta clareza: que a sua estratégia para enfrentar os problemas do País é o “empobrecimento” dos portugueses.
Lembro-me, isso sim, do contrário. Lembro-me de o ouvir dizer que, com ele, não haveria mais austeridade sobre as pessoas porque a austeridade, agora, seria sobre "o Estado": as gorduras do Estado, os desperdícios do Estado, os consumos intermédios do Estado, o "Estado paralelo". Lembro-me, até, de o ouvir dizer que aumentar os impostos ou cortar o 13º mês eram meros "disparates" de adversários políticos apostados numa "campanha de medo" sobre as reais intenções do PSD. Está agora claro quem é que tinha razão.
Entendamo-nos: uma coisa é adoptar certas medidas não previstas para responder a uma situação não conhecida (como sucedeu com a subida do IVA nos governos de Durão Barroso e de José Sócrates) ou para fazer face a uma profunda alteração das circunstâncias (como sucedeu em toda a Europa quando emergiu na zona euro a crise das dívidas soberanas, na sequência da crise da Grécia); outra coisa, bem distinta, é prometer às pessoas uma determinada estratégia e, depois de lhes caçar os votos, trocar essa estratégia por outra radicalmente oposta - e é isso o que está agora a acontecer em todas as frentes: dos impostos aos salários, da TSU às quotas na avaliação dos professores.
Ninguém nega que, nas actuais circunstâncias, um desvio orçamental, devidamente fundamentado, possa justificar a adopção de medidas adicionais não previstas. Mas não há nenhum desvio que justifique uma estratégia tão frontalmente contrária à que foi prometida aos portugueses. E, pelo menos nisso, creio que estaremos todos de acordo: o que foi vendido aos portugueses não foi o "empobrecimento" como desígnio estratégico para a consolidação orçamental!
É certo, Eduardo Catroga, que viria a ser o autor do programa eleitoral do PSD, chegou a defender (a 21 de Maio de 2010, num debate na Figueira da Foz, relatado pela Lusa) fortes reduções salariais, envolvendo um corte médio de 10% a aplicar no sector público e no sector privado (pagando-se o 13º e o 14º mês em obrigações do tesouro). Mas nada disso foi assumido quando se tratou de escrever o programa que os eleitores deveriam ler e votar. O mais que se encontra é o célebre comunicado do PSD em língua inglesa, de 21 de Março de 2011, onde se refere que não é de esperar muito do Governo socialista "when it comes to reforms that wiil undermine parts of its electoral base that are tied, directly or indirectly, to statefinanced employment". Só que este texto nunca foi traduzido de modo a descodificar o que realmente significava para os funcionários públicos - e que agora está à vista.
Cumprir as metas orçamentais implica esforço, sem dúvida. Mas exige também a preservação de algum equilíbrio entre a austeridade e o dinamismo da economia. Sob pena de uma "overdose" de austeridade, muito "para lá da troika", comportar o risco fatal de todas as "overdoses": o de uma recessão capaz de ameaçar os próprios objectivos de redução do défice (como a experiência grega tragicamente ensina).
Uma sombria estratégia de empobrecimento, que representa um virar de costas à economia e ao futuro, não poderia nunca constituir um caminho promissor para o País. Mas quando, ainda por cima, uma tal estratégia se apresenta tão flagrantemente injusta na forma como não distribui o empobrecimento que propõe, então não estamos apenas perante uma estratégia errada, estamos perante uma proposta indecente.
Pedro Silva Pereira
Jurista

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