domingo, fevereiro 15, 2015

ATÉ VITOR BENTO!

 
Francisco Louçã

10 de Fevereiro de 2015, 15:00

Por

Não se diga que não houve avisos, e foram a sério (até Vítor Bento)

bentoPassos Coelho, orgulhosamente merkeliano, repete enfadado que da Grécia não se pode esperar nada de bom e que a Europa seguirá imperturbavelmente o seu curso. Alemanha forever and ever again.
Entretanto, a semana não começa bem. Como é abundantemente provado pelas sucessivas declarações das autoridades, há três razões alemãs para empurrar a Grécia para fora do euro: defender a finança, manter o fechamento dos tratados e impedir o contágio político da revolta popular syrizista. Manter a austeridade como regra tem, no entanto, um preço pesado para a União Europeia, porque é uma solução incompetente (facilita o caminho para a depressão) e porque é uma solução perigosa (culpa a Alemanha e os seus colaboracionistas por todas as perturbações). Veremos então o que é que o Conselho Europeu da próxima 5ªf vai determinar.
Do que não pode haver dúvidas é que se generaliza o apelo a uma mudança da estratégia europeia. O mais recente apóstolo da reforma da política no euro parece ser Vítor Bento, com uma (re)entrada estrondosa. Através de um ensaio no Observador dedicou-se a analisar a evolução de vários grupos de países desde a recessão de 2007–8: para o que nos interessa mais, compara os “deficitários” (Estónia, IrlandaGréciaEspanha, Chipre, Malta, Portugal, Eslovénia, Eslováquia, sublinhados os países intervencionados pela troika) com os “excedentários” (Alemanha, Áustria, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Finlândia). Os custos do ajustamento caíram sobretudo sobre os países do primeiro grupo, tendo a sua dívida pública mais do que duplicado em percentagem do PIB. A crise agravou a crise.
A conclusão global é simplesmente esta: “Após seis anos de crise, a zona euro está pior. O seu mau desempenho não era inevitável e poderia ter sido melhor. Se não foi, tal decorre de uma política económica desadequada”. Falhou tudo e o pior foi que a política agravou o problema.
O apregoado sucesso (o equilíbrio externo) é, segundo Bento, o verdadeiro problema: foi obtido sacrificando o equilíbrio interno, ou seja, criando desemprego, e esta assimetria tende a agravar-se, ou seja, o remédio acentuou a doença. Assim, há um problema de procura porque os custos de ajustamento recaíram quase exclusivamente sobre os países deficitários, que sofrem quase metade do desemprego europeu, apesar de não representarem mais de 20% do PIB da União. Dito ainda de forma mais gritante, o problema de Portugal e dos outros deficitários não é uma questão de finanças públicas, mas sim de organização da estrutura produtiva num contexto que impõe restrições destrutivas.
Neste quadro, Bento sugere poucas soluções, argumentando mesmo que a sua leitura distrairia do diagnóstico. Mas, ainda assim, para entusiasmo dos mais consistentes dos federalistas, aponta um caminho: um maior orçamento, que permitisse por exemplo a federalização do subsídio de desemprego, e o que mais se verá. Percebe-se a ideia: as economias beneficiárias contribuiriam assim para o amortecimento dos efeitos nas economias mais prejudicadas por esta troca desigual que é o euro, e assim poder-se-ia constituir uma autoridade política europeia.
João Ramos de Almeida chamou a atenção para as contradições desta proposta, evocando muitos dos momentos em que Vítor Bento se alinhou com o discurso da austeridade, da redução dos salários ou, politicamente, do PSD e da justificação da troika, o que deveria ser suficiente para arrefecer os entusiasmos dos federalistas que esperam salvar a Europa com uma moderação social-democrata na política social e um impulso pan-estatista na organização dos poderes.
bento 2O reportório das declarações de Bento mostra, aliás, que este federalismo é socialmente autoritário e economicamente conservador. No entanto, a listagem de JR Almeida esquece um livro de 2013 do mesmo Vítor Bento, “Euro Forte Euro Fraco – Um Convívio (Im)possível?”, editado pela bnomics, com introdução (atenção!) de António Vitorino, e que antecipa alguns dos argumentos do ensaio que agora surpreendeu alguns leitores.
Esse livro é um inventário da desilusão com o euro, constando que a “origem genética (da crise) está nas contradições intrínsecas da própria zona (euro)” (p.21) e que isso determina um “risco muito sério” de uma “armadilha de prolongado empobrecimento relativo, o que, pelos custos sociais e políticos que acarrete, poderá, mais cedo ou mais tarde, voltar a colocar em causa a sustentabilidade social e política das suas (de países como Portugal) permanências na zona euro” (p.146). Portanto, ainda antes da sua missão no BES, já Bento identificava um desgosto com o euro e o apontava como o vórtice de toda a instabilidade europeia, admitindo a hipótese de último recurso da saída da zona monetária.
A solução que agora escassamente apresenta é, aliás, a mesma que sugeria no livro: união política com a “federalização” de funções sociais, para a repartição de custos, como o subsídio de desemprego (p.169–70), ao que acrescentava então, embora não repita noObservador, uma mutualização europeia acrescida de reestruturação das dívidas, de modo a conseguir um “alívio” substancial dos seus encargos (p.149).
A pergunta que fica é esta: tudo analisado, como o euro é a espiral depressiva e a proposta federalista é resolver a dificuldade com mais orçamento para funções sociais em comum, mais investimento europeu, gestão partilhada da dívida, então em que Europa estão a imaginar este Olimpo? Ou, dito de outra forma, se falhar a solução federalista de mais dinheiro, mais solidariedade com mais poder centralizado em Bruxelas, mais investimento e mais funções sociais, então o que sobra da desgraça? Porque tudo isso já foi pedido e até implorado, mas o que resultou foi menos orçamento e menos investimento, “reformas estruturais” que são o contrário dos subsídios de desemprego comunitários e, portanto, mais desconfiança. Anos e anos a fio, ouvimos este refrão federalista: agora é que vai ser, Europa com instituições democráticas, com fundos suficientes, com política para todos. E a União foi sempre caindo, ao ponto de Bento escrever agora este epitáfio: “após seis anos de crise, a zona euro está pior”.
Vítor Bento, na realidade, tem desde o ano passado, com o seu livro, uma resposta para este impasse, ele que o conhece tão bem: o falhanço europeu, para Portugal como para outros países, “poderá, mais cedo ou mais tarde, voltar a colocar em causa a sustentabilidade social e política da sua permanência na zona euro”. Talvez seja porque evita repetir o desespero de um federalismo sem sucesso que preferiu não tirar mais conclusões no seu artigo. Mas fica o aviso e é de Vítor Bento, conselheiro de Estado de Cavaco Silva.

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