quarta-feira, fevereiro 04, 2015

TERESA DE SOUSA NO PÚBLICO


OPINIÃO

Uma mistura perigosa

O nacionalismo existe, incluindo em Atenas.
O problema é que não se trata apenas desta preferência pela Rússia e da Rússia pela Grécia. O novo ministro da Defesa, que lidera os Gregos Independentes, não quis deixar dúvidas a ninguém sobre aquilo que pensa. A sua primeira deslocação acompanhado pelas chefias militares foi à ilha desabitada de Imia, junto à costa da Turquia, para afirmar sobre ela a soberania grega. Foi por causa dela que Atenas e Ancara estiveram à beira de uma guerra em 1996. É difícil de dizer que nada disto tem importância.
Tsipras sabe o que as pessoas querem ouvir, incluindo noutros países europeus. Fala em devolver a dignidade aos gregos, de uma forma que toca muita gente também fora das fronteiras da Grécia. O seu novo ministro das Finanças já anunciou que não tenciona reunir-se com a troika nem negociar qualquer prolongamento do segundo resgate que na sua óptica já acabou. Só falará com os seus pares. Também em Portugal ou na Espanha (Rajoy dizia que não queria senhores de fato escuro a entrarem-lhe pela porta dentro), existiu um sentimento de rejeição da presença de três tecnocratas de rosto vazio de qualquer expressão que serviam para dizer o que tínhamos de fazer. Mas, de uma maneira ou de outra, vai ser preciso negociar.
4. O tempo escasseia. A Grécia tem de financiar as medidas anti-austeridade que já está a tomar. Talvez o novo governo acredite mesmo que a chanceler vai ceder. É um risco demasiado perigoso, até porque vem embrulhado, como já vimos, numa série de decisões muito pouco agradáveis para Berlim. Sem condicionalidade, o BCE não pode continuar a emprestar à banca grega, ainda hoje muito frágil, nem poderá vir a comprar a sua dívida pública. Qualquer perspectiva de saída do euro pode levar a uma corrida aos bancos. Se isso acontecer, a Grécia entrará em default e acabará provavelmente fora da zona euro. As consequências para a Europa são muito difíceis de medir, mas não serão as melhores. Fischer desafia Merkel a usar a sua grande margem de manobra política e olhar para o crescimento como a única forma de salvar o euro. Se não, arrisca-se a ver a vitória do Syriza a contaminar outras forças radicais e populistas um pouco pela Europa fora.
Voltando ao início, o que a História europeia também nos mostra é que por vezes um homem ou um acontecimento podem mudar o seu curso. Para melhor mas também para pior. Não vale a pena ignorar o que se passou na Grécia. Mas também não vale a pena endeusar os novos guerreiros contra a austeridade. Em Atenas, o populismo e o nacionalismo ainda podem dar uma mistura perigosa.

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