quinta-feira, março 26, 2015

NÃO TÍNHAMOS CÁ BRONCOS SUFICIENTES ERA NECESSÁRIO IMPORTAR!????

Há que pedir perdão por ganhar dinheiro?

por MIGUEL ANGEL BELLOSOno DN

As crises podem ser uma boa oportunidade para começar de novo, para tratar de mudar o modelo social e económico que conduz irremediavelmente ao declínio. Quando Margaret Thatcher ganhou pela primeira vez as eleições, em 1979, o Reino Unido atravessava um descontentamento gigantesco. O país estava devastado pelas greves. A economia à beira do colapso. Ela propôs-se a dar-lhe uma volta de 180 graus, desregulando o setor financeiro, privatizando as empresas públicas, baixando os impostos e cortando no poder dos sindicatos. Mas Thatcher nunca viu a sua passagem pela política como a de um canalizador que arranja a canalização de um país. Tinha a visão grandiosa que caracteriza um líder. O seu objetivo era transformar o país na sociedade aberta de que falava Popper: acabar com a intromissão do Estado, devolver o poder aos indivíduos através da propriedade privada, incentivar o amor ao risco e restabelecer os níveis de liberdade individual e de responsabilidade pessoal arrebatados pela corrente coletivista que tinha vindo a contaminar o Reino Unido desde há uma década.
Receio que nada disto vá acontecer devido à terrível recessão que acabamos de superar. Os governos que tiveram de lidar com a crise em Portugal ou em Espanha, por exemplo, não tiveram outro remédio que não o de cortar na despesa para equilibrar as contas públicas e flexibilizar o mercado laboral para tornar as empresas competitivas. Agora o défice público é controlável, a banca está saneada e na disposição de financiar a economia e a atividade voltou a crescer, começando a gerar emprego. Passos Coelho e Rajoy funcionaram como uma grande oficina de reparações. Ninguém sensato pode dizer que sejam maus gestores. Mas não são os líderes que a ocasião merecia. Não houve substrato ideológico por trás das suas políticas, um projeto de país capaz de despertar a ilusão coletiva. Um afã por derrubar o consenso social-democrata em que está instalado o continente europeu há tantos anos.
Antes pelo contrário, a esquerda conseguiu incutir no imaginário coletivo a ideia falaciosa de que, como consequência das políticas de austeridade para combater a crise, os ricos estão cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres e a classe média está em fase de proletarização. E neste ambiente, a competição por demonstrar quem tem uma maior sensibilidade social e defende melhor os interesses dos desfavorecidos transformou-se no eixo central da discussão política. Em Espanha, por exemplo, onde a economia vai crescer este ano mais de 3%, o primeiro-ministro, Rajoy, declarou no último debate sobre o Estado da Nação que tinha chegado a hora de aliviar o sofrimento dos cidadãos, como se tivesse problemas de consciência por ter voltado a pôr o país nos eixos! Este tipo de pensamento é letal. O caminho para melhorar o nível de vida dos cidadãos não assenta na aplicação de políticas redistributivas à base de subsídios e ajudas diversas, mas antes na criação de condições para que a economia cresça e gere postos de trabalho. E isto consegue-se com uma fiscalidade baixa e um mercado laboral flexível.
Quando Thatcher reduziu os impostos no Reino Unido estava a passar a mensagem de que o sítio melhor para o dinheiro estar é o bolso dos cidadãos, que estes devem aspirar a conservar a maior parte do fruto do seu trabalho para assim ganharem liberdade de escolha. O ponto de partida da política britânica era o de fazer que as pessoas ambicionem melhorar as suas condições de vida e as dos seus filhos. Passos Coelho e Rajoy não pensam o mesmo. Creem que o que há que evitar é que essas condições se deteriorem, o que é o mesmo que resignar-se a uma sociedade de expectativas limitadas, presidida pela mediocridade e por um igualitarismo pífio.
Em Espanha, como consequência da crise e dos casos de corrupção, está em marcha um movimento generalizado contra o dinheiro. O enriquecimento ilícito de alguns estendeu a suspeita sobre todos os que estão bem na vida, mesmo que a sua fortuna seja o resultado do trabalho duro, de uma boa formação e de ter cumprido a regra máxima do capitalismo, que é satisfazer a procura dos outros com a melhor qualidade e ao melhor preço possível. A eficaz propaganda da esquerda conseguiu urdir a trama de que os ricos e as grandes empresas mal pagam impostos. Mas trata-se de uma grande mentira. A taxa marginal de 47% sobre o rendimento pessoal em Espanha é uma das mais altas da Europa e é aplicada a partir de um nível muito mais baixo do que noutros países, começa nos 60 mil euros, desincentivando o trabalho. E também não é verdade que a lei fiscal seja generosa para com as grandes empresas. Mas como a direita que governa Espanha - tal como em Portugal - apenas aspira a ser uma tecnocracia competente e carece de um modelo social e económico próprio, um modelo com que seduzir os cidadãos, o sentimento do país está envenenado. Há um ambiente geral antiempresa, reticente ao mercado, suspeitoso dos que se destacam e triunfam, mais do que nunca inclinado para a ideia perniciosa de que o Estado está obrigado a tirar-nos da adversidade. Um vento oposto ao ar fresco que Thatcher conseguiu imprimir indelevelmente na sociedade britânica, onde as pessoas possuem uma grande confiança na sua capacidade para construir o futuro delas.

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