terça-feira, abril 21, 2015

A "PDI" TRANSFORMA UMA HISTORIADORA NUMA DÉBIL MENTAL




Uma ou duas coisas que Carvalho da Silva devia saber

A fatal indefinição do estatuto epistemológico das ciências sociais permitiu e incentivou a transformação da Universidade num local de catequização ideológica.


Num recente artigo neste jornal, João Miguel Tavares exprimiu o seu espanto pelo facto de o Observatório sobre Crises e Alternativas, coordenado por Carvalho da Silva (C.S.), um organismo do CES da Universidade de Coimbra dirigido por B. Sousa Santos, ter produzido um trabalho em que se contabilizava 29% de desempregados em Portugal. Intrigado com este número bombástico, J.M.T. tratou de averiguar como se chegara àquela cifra, concluindo que se tratava de “desemprego em sentido lato”, que abarcava, entre outras, a categoria enigmática de “inactivo desencorajado”.No mesmo jornal, C.S. explicou pacientemente a J.M.T. que este conceito foi oficializado pelo INE como significando “indivíduo com idade mínima de 15 anos que [...] não tem trabalho remunerado nem qualquer outro, pretende trabalhar, está ou não disponível para trabalhar num trabalho remunerado ou não, mas que não fez diligências [...] para encontrar trabalho”. C.S. esclarece (mal): “Para todos os efeitos, menos o estatístico, um 'inactivo desencorajado' é alguém que quer trabalhar e não tem trabalho, é um desempregado”. A contradição é descarnada: segundo a definição do INE, um tal sujeito pode, “ou não”, estar disponível para trabalhar, e pode, inclusive, “não fazer diligências para encontrar trabalho”. Nada, portanto, impede este pseudodesempregado de passar as tardes a tomar chá com a Kiki Espírito Santo.  
Porém, C.S. insiste: “Entre 2011 e 2014, o número de pessoas desencorajadas, indisponíveis ou que gostavam de trabalhar mais horas aumentou substancialmente”. Mas se um “desencorajado” pode a) não fazer diligências para se empregar; b) estar indisponível para trabalhar, com que fundamento deveriam estes indivíduos ser contabilizados nas estatísticas do desemprego propriamente dito? Como se saberá o que motiva a “indisponibilidade” e a recusa de “diligências” para se empregarem? Será depressão, astenia, desgosto de amor, puro desinteresse, desnecessidade ou simples preguiça? Para C.S., a omissão de números a respeito destes casos, que ainda incluem a categoria não menos opaca dos “desempregados ocupados”, configura perversas “distorções estatísticas” premeditadas para branquear uma parte substancialíssima do desemprego de modo a beneficiar o Governo... Infelizmente, as “pessoas menos conhecedoras” desta transcendente matéria, como eu ou J.M.T., ignoram estas subtilezas. De facto, para mim, relapsa e contumaz, o que não vem nas estatísticas não é o “desemprego oculto” com que o INE pretenderia minorar a crise. É, isso sim, o “falso desemprego”, ou o desemprego impossível de comprovar como tal, que C.S., no afã de agigantar a crise, insiste em tratar como efectivo desemprego tout court.  
C.S. acusa J.M.T., como mero jornalista desprovido da solene autoridade conferida por um doutoramento, de ter tido a “pretensão ignorante de julgar o que é, e não é, ciência.” Para C.S., esta distinção é trigo limpo. O que não deixa de ser espantoso, porque há já algumas décadas que a comunidade científica e académica vive envolvida numa discussão encarniçada, e inconclusiva, acerca, precisamente, de determinar o que é científico ou deixa de ser. Isto não levanta dúvidas de maior para as chamadas “ciências duras ou exactas”, cujo método experimental sustenta explicações nomológicas que permitem a previsibilidade. Nada disto acontece com as ciências sociais (e menos ainda com as humanas), cuja “cientificidade” é por inerência e definição sempre disputável (Isaiah Berlin, Against the Current, 1989). Nunca produziram uma teoria geral da sociedade e da mudança social validada pela realidade observável; nos anos 80, já François Furet se queixava de que as “ciências sociais” se tinham revelado incapazes de “elucidar o mundo” (L’Atelier de l’Histoire, 1982). 
A fatal indefinição do estatuto epistemológico das ciências sociais permitiu e incentivou a transformação da Universidade num local de catequização ideológica, de que primeira vítima foi o que classicamente se chamava uma “educação liberal” (Léo Strauss, Liberalism, Ancient & Modern, 1968). Não só: permitiu a livre propagação de todos os desconchavos, com a consequente desfiguração de um curriculum universitário sério e consistente. Hoje em dia, quando se fala apologeticamente de “ciência cidadã” (???); quando se multiplicaram os mandarins académicos que entronizaram o radicalismo, fomentaram a politização do ensino superior e esfacelaram os vestígios de um cânone académico clássico que limitava a arbitrariedade, definia critérios de pertinência e imparcialidade e demarcava excessos de subjectivismo; quando os “estudos culturais”, a “teoria queer”, o “afrocentrismo”, os “estudos de género” e outras extravagâncias sem estatuto disciplinar definido transformaram a Universidade num espaço de militância, subversão e destruição do ethos académico que comandava o ideal da objectividade, da imparcialidade, do rigor intelectual e do saber desinteressado, a própria noção de “ciência” (quanto mais de “verdade”!) acabou ridicularizada, em prol do relativismo cultural, da diversidade identitária e do politicamente correcto. Em 1987, já Allan Bloom escrevia que “as universidades se tinham tornado no campo de batalha de uma luta entre a democracia liberal, por um lado, e um radical  poderia dizer-se totalitário — igualitarismo” (The Closing of the American Mind). Mais recentemente, em Tenured Radicals (1998), Roger Kimball conclui que “a educação superior foi transformada numa espécie de doutrinação ideológica”.

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