O primeiro-ministro
que não acredita na felicidade
(Nicolau
Santos, in Expresso Diário, 29/05/2015)
Pode um primeiro-ministro que não acredita na
felicidade conduzir políticas que visem elevar o bem-estar dos cidadãos e o seu
nível de vida nos planos económico, social, cultural, educativo? Ou um
primeiro-ministro assim só consegue conduzir políticas que provoquem dor aos
seus concidadãos como única forma de redenção do país?
Quando chegou ao poder, Pedro Passos Coelho
disse ao que vinha: culpabilizar-nos a todos pelo pedido de ajuda internacional
que o país foi obrigado a fazer em 2011, como resultado do que disse serem os
nossos excessos consumistas, que nos conduziram a viver acima das nossas
possibilidades. O mantra foi repetido à exaustão sem ter em conta que o mercado
imobiliário estava bloqueado há 40 anos, pelo que mais de 80% dos portugueses
foram obrigados a pedir crédito bancário para comprar uma habitação; e sem ter
igualmente em conta que os bancos prosseguiram durante anos políticas
agressivas na concessão de crédito a juros muito baixos para a compra de
inúmeros bens de consumo, perecíveis ou duradouros.
A ideia de que os agentes económicos agiram de
forma racional, tendo em conta os estímulos públicos e privados que lhes eram
dirigidos, esteve sempre ausente da cabeça do primeiro-ministro. Para ele, a
culpa era nossa, individual e em conjunto, que nos endividámos para além do
admissível, não importando as razões porque tal aconteceu. E por isso disse a
frase-chave que tem conduzido a sua ação desde que chegou a São Bento: só
saímos disto empobrecendo. E os que não encontram por cá oportunidades de
trabalho devem procurá-las no exterior.
UM PRIMEIRO-MINISTRO QUE NÃO ACREDITA NA
FELICIDADE PODE TOMAR MEDIDAS QUE VISEM CRIAR CONDIÇÕES PARA OS SEUS
CONCIDADÃOS QUE NÃO COMUNGUEM DA SUA DESCRENÇA ATINGIREM ESSE PATAMAR
ESOTÉRICO?
Dizem os lábios finos do primeiro-ministro:
“Ninguém está certo de conseguir produzir uma política que garanta a felicidade
seja de quem for. Não acredito em coisas dessas. De resto, nem acredito na
felicidade.”
É uma frase que levanta várias perplexidades.
Mas há uma incontornável: um primeiro-ministro que não acredita na felicidade
pode tomar medidas que visem criar condições para os seus concidadãos que não
comunguem da sua descrença atingirem esse patamar esotérico? Ou, pelo
contrário, um primeiro-ministro tão infeliz por dentro, tão descarnado da alma,
só consegue aplicar aos seus concidadãos políticas punitivas, por acreditar que
são elas que nos tornam melhores, assim como os padres se fustigam com cilícios
para expiarem as suas culpas?
A resposta dá-a o próprio Passos: “O objetivo
que temos é vencer a doença, não é perguntar se as pessoas durante esse
processo têm febre, têm dor ou se gostam do sabor do xarope.” Que possamos
morrer da cura ou que nos tornemos um povo de zombies não lhe passa pela
cabeça.
Sem comentários:
Enviar um comentário