OS JACARANDÁS DE LISBOA
Domingo de Maio em Lisboa, de novo engalanada pela exuberância dos cachos de flores dos Jacarandás (Jacaranda mimosifolia, D.Don). O azul violáceo das panículas trombetadas surge em todo o seu esplendor por cima do castanho dos ramos desengonçados que lhes dão maternidade. Uma das suas mais fulgentes manifestações da natureza arbórea.
Os frutos – cápsulas, verdes de início — amadurecem e secam em tons de castanho. No Outono, porque deiscentes, abrem-se como um bivalve e deixam cair em suaves e alegres movimentos as minúsculas e numerosas sementes cor de café, com asas membranosas. Têm uma forma imperfeitamente oval e uma textura algo carnosa e lenhosa, ainda que achatada. Fazem lembrar as conchas em Portugal, não fossemos nós um país de mar pela terra dentro. Em Espanha, a associação faz-se com as castanholas e, em França, com as ostras.
Por
Bagão Félix, Francisco Louçã e Ricardo Cabral
Jacarandás, de volta

Uma árvore com uma vivência anual algo estranha para Portugal. Não segue a regra geral de se desnudar no Inverno. No entanto, é caducifólia (ou quase) como a maioria das árvores companheiras de parques e ruas mas, ao contrário destas, não perde as folhas a partir do Outono, mas mais lá para a frente. Aliás, não chega a ficar completamente sem folhas. Por isso, se diz que tem folhas marcescentes, o que significa que não se soltam dos ramos quando estiolam e secam, mas quando surge a nova rebentação.
O nome jacarandá é já de si musical, quase bachiano, com a sonoridade polifónica das sílabas provindas dos índios tupi.
As flores perfumadas formam tapetes à volta do perímetro da copa, sempre irregular. Pela sua textura viscosa, há quem, menos sensível à bela prodigalidade, fique incomodado pelos passeios e automóveis se cobrirem das flores após a inevitável despedida.
Em Lisboa, nas Avenidas Novas, na Rua Castilho, na Avenida D. Carlos ou no parque Eduardo VII — só para citar as artérias mais sortudas — podemos observar a notável síntese entre a árvore isolada e o conjunto. O resultado é maior do que a soma das parcelas e varia em função da luz de cada dia. Nas manhãs mais sombrias, surgem com uma cor mais intimista, numa junção singela com o tom mais ou menos plúmbeo do céu. Nos dias de sol luzidio e mediterrânico de uma Lisboa meia arabizada sobressaem os tons de pigmentos mais azuis do que os de magenta. É o triplo holismo da passagem de uma das suas flores para o conjunto de uma inflorescência, de todas as inflorescências para a árvore e de cada uma destas para o conjunto das árvores.
O jacarandá é, também, um bom exercício para a difícil distinção das cores entre o azul e o vermelho. As suas corolas bilabiadas são para uns mais roxas, para outros mais púrpura, violeta, lilás, magenta e até essa cor estranha de índigo.
Na África do Sul, o jacarandá é considerado uma árvore nacional. Em Pretória, é vista aos milhares pelas artérias, parques e jardins. O tempo de floração coincide, nesta cidade, com o período universitário de exames, dando origem a uma curiosa tradição: sempre que uma flor cai em cima da cabeça de um estudante, certo é que passará nos seus exames. Infelizmente, nem sempre se concretiza esta lenda, mas a culpa, por certo, não é da árvore…

Eugénio de Andrade haveria de escrever sobre o exotismo desta árvore sul-americana: “nesta Lisboa, onde mansos e lisos os dias passam a ver as gaivotas, e a cor dos jacarandás floridos se mistura à do Tejo, em flor também”.
Aproveitemos o acolhimento de cores, perfumes e movimentos dos jacarandás, entre a memória do ano pretérito e a saudade para o ano vindouro.
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