quarta-feira, fevereiro 18, 2015

FRANCISCO LOUÇÃ

Francisco Louçã

18 de Fevereiro de 2015, 14:30

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O baile de máscaras a la Maria Antonieta

baileAgora que terminou o Carnaval, quero evocar o papel das festas elegantes, nada de desfiles populares para gáudio de tribunas, porque aquelas são os sinais de como vivemos. Um exemplo notório é o baile de máscaras do dia 10 de fevereiro de 1897 quando, perante 700 convidados, o casal Bradley e Cornelia Martin, da melhor aristocracia de Nova Iorque, abriu a festa no Hotel Waldorf, redecorado como o Palácio de Versalhes (o desenho ao lado reproduz um detalhe da festa).
A alusão histórica encantou os presentes. Entre os convidados, havia nada menos do que cinquenta Marias Antonietas e a anfitriã, Cornelia, que vinha de Maria Stuart, exibia um colar da rainha decapitada, o que provocou frisson na sala. Bradley vinha modestamente de Rei Sol, Luís XIV, e J.P. Morgan, o mais poderoso financeiro do seu tempo, escolhera o fato de Molière, truculenta homenagem a quem se riria de toda a companhia.
O episódio é contado no livro “Plutocratas”, de Chrystia Freeland (Lisboa, Temas e Debates, 2014), uma ex-editora do Financial Times que descreveu a vida desta elite de ultramilionários, como lhes chama. Porque esta história tem uma moral: os Estados Unidos viviam ainda uma longa depressão e a opinião pública ficou escandalizada com o fausto e esbanjamento dos Martin e dos seus convidados. A exibição da elite contrastava de tal modo com o empobrecimento da população que os anfitriões se sentiram obrigados a justificar-se. Madame Cornelia explicou então que só tinha enviado os convites com três semanas de antecedência de modo a que os participantes comprassem as suas roupas na cidade e não no estrangeiro. O sindicato dos músicos foi mobilizado para apoiar a iniciativa, afinal era trabalho. Tudo debalde, porque a sociedade não perdoou a exuberância e os Martin preferiram ir viver para Inglaterra durante uns anos.
Há portanto várias formas de vermos a diferença social. Pelo menos duas: a partir de baixo e a partir de cima. A partir de cima clama-se pela naturalidade da desigualdade e anuncia-se o resultado do mérito. A partir de baixo desconfia-se de que esse mérito é demasiadas vezes cumplicidade e favorecimento. Há cem anos, a festa podia ter um resultado amargo: a máscara serve para descobrir e os Martins pagaram um preço elevado. Não há regra sem excepção, pode-se concluir, porque normalmente a exibição da vida da elite é uma consolação e uma promoção, e não um risco.
O caso do prémio de mais de quatro milhões de euros a Zeinal Bava, que amanhã talvez se explique no Parlamento, é um bom exemplo. Ou os mais de mil milhões que regressaram ao registo em Portugal para beneficiarem de uma taxa de IRS de 7,5% e um generoso perdão. Ou das contas secretas no HSBC em Genebra. Ou os outros dinheiros escondidos em offshores. Lá que tem sido uma festa, pois é evidente que tem sido. E já ninguém se disfarça de rainha decapitada.

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