Os portugueses que nos querem ver gregos
por ALBERTO GONÇALVES
Logo a seguir ao futebol, as mais populares modalidades desportivas nacionais são bater no Cavaco e assinar manifestos. Por isso esta foi uma semana em cheio.
As festividades começaram quando o Presidente da República lembrou descaradamente um facto: os portugueses já emprestaram mil e cem milhões de euros à Grécia, fora trocos. Tamanha trivialidade perturbou as pessoas sensíveis, que a consideraram - a frase, não o empréstimo - inadmissível, na medida em que nada do que Cavaco Silva diz deve ser admitido (embora também não se tolere que Cavaco Silva esteja calado). A oposição falou em "humilhação do povo grego". E aquela senhora que liderava a meias o BE achou as afirmações perigosas, populistas, egoístas e uma ameaça ao "projecto europeu". Naturalmente, o "projecto europeu" consiste em fazer que os cidadãos de certos países trabalhem a fim de sustentar os que preferem dedicar-se a actividades paralelas como a subscrição de lengalengas em volta da palavra solidariedade.
A lengalenga do momento, sob a forma de carta aberta ao primeiro-ministro, reúne "destacadas personalidades" (sic) do calibre de Francisco Louçã, Carvalho da Silva, Pacheco Pereira, Octávio Teixeira e o conhecido benfiquista Bagão Félix. Essencialmente, trata-se do corpo de comentadores da Sic Notícias, ao qual, não sei porquê, faltam apenas Rui Santos e o trio de O Dia Seguinte.
E o que reza a carta? Reza que a austeridade é desagradável e exige a Pedro Passos Coelho que aproveite o pretexto grego para a mandar passear. Numa segunda leitura (e Deus sabe quanto me custou a primeira), a ideia é aliarmo-nos a quem nos pede dinheiro emprestado no combate a quem nos empresta. Isto não difere muito do sujeito que, ao ver-se assaltado, ajuda os ladrões a carregar o televisor e depois insulta a empresa que lho vendeu a crédito. Com a deliciosa agravante de que, no intervalo dos insultos, as filiais caseiras do Syriza suplicam por um crédito e um televisor novinhos.
Absurdo? Com certeza. E ainda nem referi a abdicação da famosa soberania pátria em favor do governo do Sr. Tsipras, que os subscritores da carta juram representar Portugal a sério. Imagine-se se estivessem a brincar.
Quinta-feira, 12 de Fevereiro
Uma escola de talentos
Durante anos, tomei António Costa pelo vulgar profissional partidário. Se nunca o imaginei brilhante, característica ausente da política quase que por definição, também nunca me pareceu dos casos de toleima mais graves. Na verdade, o Dr. Costa nunca me pareceu nada de especial porque nada de especial alguma vez saiu daquele cerebelo: ao longo de uma indistinta carreira, a única virtude palpável do homem era a discrição. Graças a esta, acumulou aquilo a que se chama capital político, chegou à chefia do PS e surgiu como plausível primeiro-ministro. A maçada é que, a partir daqui, a estratégia do recato já não funciona. Agora o Dr. Costa é forçado a expor-se, e a exposição não o favorece.
Não vale a pena recuar muito. Num só dia desta semana, o Dr. Costa conseguiu isentar um clube da bola de pagar 1,8 milhões à Câmara de Lisboa, propor o nome de Humberto Delgado para o aeroporto da Portela e jurar que seria capaz de subscrever a carta a Passos Coelho que não subscreveu. Concentrar tanta inépcia, irresponsabilidade, abuso, vacuidade e ridículo em meras 24 horas não está ao alcance de todos, mas apenas dos predestinados. Predestinados a quê? Ora essa: num destes dias, os jornais deram conta de uma britânica de 50 anos que não sorri há 40 para evitar rugas. No país do Dr. Costa, a senhora não aguentaria a gargalhada dez minutos. Depois de Sampaio e Santana, a autarquia da capital confirma que está para a comédia caseira como o Saturday Night Live para a americana.
13 de Fevereiro
Fraldas
Nada detém o sucesso da revolução bolivariana. Na Venezuela já escasseavam os preservativos, as lâminas de barbear, o champô, os absorventes íntimos e o papel higiénico, entre outros símbolos do consumismo desenfreado. Agora faltam também as fraldas, produto cuja compra passa a depender da apresentação da certidão de nascimento dos bebés. Mais uma vez, o capitalismo é derrotado.
Anos após Chávez ter decretado o duche de meio minuto, e ao contrário do que sucede nas sociedades subjugadas à selvajaria dos mercados, os venezuelanos, adultos e crianças, libertaram-se enfim das grilhetas burguesas do banho e do asseio em geral. Hoje, um indígena levanta-se da cama onde acabou de encomendar o oitavo filho e, a julgar pelo aspecto e pela fragrância, encontra-se prontíssimo para participar numa manifestação de apoio ao Sr. Maduro. E os que criticam a ausência de leite para empurrar o pão com manteiga do pequeno-almoço referem-se a um falso problema, visto ser dificílimo conseguir pão, manteiga ou, de resto, qualquer refeição decente. Se o capitalismo julgava alienar as massas pelo estômago, enganou-se de novo.
Em larga medida, a Venezuela já desbravou o caminho que na Europa a Grécia (onde o Syriza assume a influência de Caracas) se limita a apontar. O socialismo grego ainda tenta sobreviver com o dinheiro alheio; o socialismo venezuelano mostra o que é viver sem dinheiro nenhum. Nem sequer os 11 mil milhões desviados pelos sobas locais para o HSBC da Suíça. O capitalismo está de rastos.
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